Circuncisão ou cirurgia da fimose: quando é necessário?
“Será que precisa de circuncisão para tratar a fimose? Mas o que é fimose? E prepúcio? Como limpar o pênis do bebê? Em que casos precisa operar?” Pais e mães de meninos possivelmente já se fizeram algumas dessas perguntas.
Foi assim com a carioca Rafaela. As questões surgiram logo no primeiro mês de vida do seu filho, Victor, que precisou ser hospitalizado em função de uma infecção urinária. Passado o primeiro susto, as dúvidas seguiram até a decisão pela cirurgia, quando o menino estava com 5 anos.
Rafaela aceitou contar a história para Ninhos do Brasil, mas pediu para trocarmos os nomes para não expor a intimidade do filho. Combinado? Combinado!
Antes de conhecer a história da cirurgia do “pintinho” do Victor, vamos entender mais sobre o procedimento, suas indicações e contraindicações.
Para isso, contamos com o apoio de Anselmo Hoffmann, urologista pediátrico e do Dr. Henrique Canto, cirurgião pediátrico do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, especialista em videocirurgia e cirurgia robótica infantil.
Eles vão esclarecer aqui algumas das confusões mais comuns que chegam ao consultório. Você é mãe ou pai de menino e está em dúvidas sobre o pênis do seu filho? Vem com a gente!
O que é circuncisão?
Circuncisão é o nome mais conhecido da cirurgia de retirada do prepúcio, que é a pele que cobre a glande (ou cabecinha) do pênis.
Historicamente, a retirada dessa pele faz parte de um ritual judaico realizado no oitavo dia de vida do bebê. Ainda hoje, a circuncisão costuma ser realizada por rabinos ou por cirurgiões da comunidade judaica, como um rito de batismo.
Mas a circuncisão também pode ser feita por indicação médica ou até mesmo para fins estéticos e de higiene, como veremos a seguir. Nesse caso, o termo mais utilizado na medicina é postectomia, explica o cirurgião Henrique Canto.
Qual é a diferença entre circuncisão, cirurgia de fimose e postectomia?
“Até a primeira consulta com um cirurgião, eu nem conhecia o termo postectomia, só circuncisão ou cirurgia da fimose”, lembra Rafaela.
Via de regra, os três termos se referem à cirurgia de retirada do prepúcio, explica o Dr. Henrique. A diferença está na finalidade e na técnica cirúrgica.
- Finalidade: a indicação médica mais comum é a fimose patológica que impede a saída da glande e impossibilita a higiene. Nesse caso, “cirurgia da fimose” é o nome popular, e postectomia, o nome técnico.
- Tipo de corte: na circuncisão cultural ou religiosa, o prepúcio é retirado completamente, deixando toda a glande exposta.
Já na cirurgia de fimose e na postectomia, pode-se optar por retirar apenas uma parte dessa pele.
É o suficiente para corrigir o problema da fimose – ou para alcançar o resultado estético desejado.
Mas, afinal, o que é a fimose?
A fimose é a dificuldade da exposição da glande. “Praticamente todos os meninos nascem com fimose. O tecido que cobre a glande faz é natural e protege essa região nos primeiros meses de vida da criança. Com o tempo, esse tecido cede e a glande fica exposta. Contudo, em aproximadamente 10% dos meninos, a fimose não cede e há dificuldade em expor a glande”, explica o urologista pediátrico Anselmo Hoffmann.
Assim, temos a fimose fisiológica ou patológica:
Fimose fisiológica
A fimose fisiológica é aquela natural, em que o prepúcio está mais colado à glande. Costuma se resolver ao longo dos primeiros dois ou três anos de vida. Isso acontece porque o pênis produz uma secreção chamada esmegma (um tipo de sebo), que vai afastando o prepúcio da glande. Além disso, os movimentos adequados de higiene e a própria manipulação da criança, principalmente após o desfralde, tendem a ajudar no descolamento.
Em alguns casos, o pediatra ou urologista pediátrico recomendam uma pomadinha à base de corticoides, que ajuda a afinar e soltar a pele gradualmente, até conseguir expor a glande.
No entanto, os dois médicos entrevistados concordam: não se deve forçar a abertura do prepúcio com movimentos abruptos. São dois motivos para ter esse cuidado:
1) o movimento abrupto machuca e traumatiza a criança – e ela pode passar a dificultar a higiene, por não querer mais que os pais toquem na região.
2) esse machucado pode gerar fissuras e cicatrizes e, assim, levar à fimose patológica.
Fimose patológica
A fimose patológica é o estreitamento do prepúcio, que estrangula a glande, impossibilita a higiene adequada e aumenta o risco de doenças. Dessa forma, o pênis fica mais vulnerável a infecções, seja pela entrada de bactérias, seja pelo acúmulo de urina na região. Nesse caso, é recomendada a cirurgia.
Quando não tratada, no futuro pode provocar dores durante as ereções e prejudicar o ato sexual – além de elevar o risco de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e até câncer de pênis.
Para que serve a circuncisão infantil ou postectomia?
Em alguns países, como os Estados Unidos, onde a circuncisão é bem comum, existe até uma orientação (não obrigatória) para o procedimento ainda na infância. Essa política considera o menor número de casos de câncer de pênis e de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo HIV, entre homens circuncidados.
"Ainda assim não há consenso na literatura médica sobre a adoção de circuncisão como medida de saúde pública para todos os países”, explica o Dr. Henrique. “Existem muitos
outros fatores que afetam o desenvolvimento dessas doenças, desde o nível de informação da população, condições de higiene, uso de preservativo etc.”, complementa.
Ou seja: a circuncisão, sozinha, não evita doenças. Da mesma forma, o prepúcio saudável também não é o causador de nenhum desses males.
Para o médico, é preciso pesar prós e contras antes de optar por uma cirurgia, que, apesar de relativamente simples, pode sim, implicar alguns riscos.
É necessário fazer circuncisão?
Essa era a pergunta que rondava a cabeça da Rafaela, mãe do Victor. Depois do primeiro ano, o menino não teve mais quadros de infecção urinária. A pediatra orientou aguardar o desfralde e receitou uma pomadinha à base de corticoides para ajudar na abertura do prepúcio.
“Nos períodos em que a gente aplicava a pomada, o prepúcio abria, mas encerrado o tratamento, voltava a fechar, impossibilitando a limpeza adequada”, lembra Rafaela.
“Além disso, o próprio Victor começou a se incomodar: ele começou a dizer que o pipi era diferente do dos amiguinhos, que não conseguia acertar o xixi no vaso. Ele reclamava que sempre ficava uma gotinha de xixi, que molhava a cuequinha mesmo depois de secar com papel”, relata a mãe.
Foi então que, por volta dos quatro anos, os pais decidiram pela operação. O início da pandemia adiou o plano, mas quando o menino estava com cinco anos e meio, agendaram a postectomia.
“Para nós, foi a melhor decisão! Optamos por fazer a retirada parcial, e não total. Agora é como um batonzinho, fica uma pontinha de fora, mas é bem mais fácil de abrir tudo e lavar. Ele mesmo já lava sozinho”, conta.
Porém, Rafaela faz questão de alertar: “Cada caso é um caso. Tem amiguinhos do Victor que a pomadinha já foi suficiente para abrir o prepúcio e que não foi preciso operar. Só passando por avaliação médica mesmo, e, se necessário e possível, ouvir mais de uma opinião”, aconselha.
Quando é necessária a postectomia? Conheça a visão médica
“Na maior parte dos casos, a fimose é fisiológica, e a cirurgia não é necessária”, explica o urologista Anselmo Hoffmann. Mas ele dá três exemplos de indicações claras de postectomia:
- balanites recorrentes, que são infecções na glande, causadas pela retenção de urina ou entrada de bactérias e que provocam infecções urinárias de repetição.
- fimoses fibróticas, provocadas pelas cicatrizes de movimentos inadequados e que dificilmente cedem durante o crescimento da criança.
- malformações congênitas como refluxo vésico-ureteral (retorno da urina da bexiga para o ureter e até para os rins) e válvula de uretra posterior (uma doença grave onde a urina é impedida de sair pela uretra nos meninos). Nesses casos, é indicada postectomia o mais cedo possível.
O cirurgião pediátrico Henrique Canto explica como avalia cada caso em seu consultório:
“Sempre que chega uma família no consultório, procuro entender de onde vem a demanda da cirurgia. Se for uma fimose patológica, que esteja impossibilitando a higiene e atrapalhando o fluxo de urina, a indicação médica é clara”, afirma. Ainda assim, se não for algo tão grave, ele espera para ver se o tratamento com a pomada não vai resolver.
Há também casos em que apesar de não ser uma questão religiosa, faz parte da cultura da família, especialmente quando vários familiares já operaram e gostaram do resultado. “São situações em que a decisão da família já está tomada. Nesse caso, a gente explica os eventuais riscos, que são poucos, e operamos sem julgamento nenhum”, comenta o cirurgião.
“Agora, quando o pedido vem para evitar doenças futuras, como ISTs ou câncer, gosto de conversar mais com os pais. Essas doenças são relativamente raras, e não tem no prepúcio a sua causa. Vale a pena operar?”, pondera.
“Além disso, costumo dizer que se a única justificativa for facilitar a higiene, começaríamos a retirar a vulva das meninas ou até a orelha”, exagera Dr Henrique, de propósito, para explicar que a higiene é uma questão de aprendizado e hábito.
Como é feita a postectomia infantil?
A cirurgia de retirada do prepúcio é simples e bastante rápida. Quando realizada nos primeiros dias de vida, pode ser feita com anestesia local. Depois disso, já é feita com anestesia geral (por inalação).
São dois métodos principais, conforme explica o Dr. Henrique:
- Postectomia com Plastibell: é um procedimento que leva poucos minutos. Após a abertura do prepúcio, é colocado um anel plástico (Plastibell), que aperta o prepúcio, impedindo a circulação. A pelezinha cai em alguns dias (de 7 a 30 dias) por necrose, sem ser necessário o corte nem pontos.
- Postectomia clássica: é feito um corte e finalizado com pontos feitos manualmente, o que faz com que o tempo de cirurgia aumente um pouco, e varie mais de acordo com o profissional. Ainda assim, é considerada um procedimento rápido.
“Eu, pessoalmente, gosto mais do resultado estético da postectomia clássica, com pontos”, opina Dr. Henrique, deixando claro que há profissionais com opiniões diferentes.
Em qualquer um dos métodos, o médico enfatiza que é importante um atendimento humanizado e lúdico.
“É importante conversar bastante com os pais e com a criança, explicando direitinho o que vai ser feito. Os pais acompanham o filho até a anestesia fazer efeito, costumamos operar um boneco da criança também, que ele traz junto depois para as consultas pós-operatórias”, exemplifica.
A conversa em casa também faz toda a diferença. “Expliquei pro Victor como ia ser, que ia doer um pouco nos primeiros dias, mas que ia resolver as queixas dele. Também ajudou muito o fato de um amiguinho dele já ter feito, e contado como foi”, conta Rafaela, e em seguida comemora: “deu tudo muito certo, ele cooperou e ficou bem orgulhoso de si”.
A postectomia infantil tem riscos?
Apesar de simples e contar com equipes altamente especializadas, a postectomia tem riscos, como qualquer cirurgia.
É bem raro acontecer algum problema, mas é importante conhecer os riscos: tirar mais ou menos pele que o necessário, o corte atingir a uretra, formar queloide (que é quando a cicatriz fica maior que a esperada), ou de haver reação à anestesia.
Por tudo isso, é importante buscar uma equipe especializada, e também ponderar em casos onde não haja indicação médica absoluta.
Tem idade certa para a postectomia?
“Não há idade para realizar a cirurgia da fimose”, explica o Dr. Anselmo. “O que pode haver são indicações formais de cirurgia. Por exemplo, quando a criança está tendo algum prejuízo em decorrência de complicações da fimose, como as balanites e infecções urinárias de repetição”, complementa.
Afora essas questões mais sérias, não existe consenso entre os médicos sobre a melhor época. Alguns preferem fazer a partir dos 6/7 anos. Nesse caso, dá-se um prazo maior para que o prepúcio se abra naturalmente ou com uso da pomada.
Quem prefere operar nessa faixa etária também justifica que a criança já tem maior consciência sobre o que está acontecendo. Mesmo assim, pode haver alguma resistência da parte da criança antes e depois, por medo de fazer xixi para não arder, por exemplo.
“Eu, pessoalmente, prefiro fazer a cirurgia em crianças um pouco menores, entre 2 e 3 anos, quando o tratamento com pomadinha não surte o efeito esperado. Pela minha experiência, a recuperação fica mais fácil quando a criança ainda usa fraldas. E, depois, a criança quase nem lembra que fez a cirurgia”, opina o Dr Henrique Canto.
Para ele, a dificuldade maior está em operar adolescentes, que podem sentir dor na hora da ereção e também são mais resistentes em aceitar a ajuda dos pais para a higiene e conferir os pontos.
Como é a recuperação da postectomia infantil?
O pequeno Victor fez a cirurgia clássica, com pontos, e a mãe conta que a recuperação foi muito tranquila. “No primeiro dia, ele reclamou um pouco de ardência ao urinar, mas logo passou. Dei analgésico para evitar a dor, mas depois de dois dias já não precisou mais”, explica a mãe.
“Na primeira semana, ele ficou em casa, evitando atividades mais agitadas como andar de bicicleta. O médico pediu ainda mais 15 dias sem esportes de contato, e 30 dias sem ir à praia, para não entrar areia”, lembra Rafaela. Victor passou por três consultas de retorno depois da cirurgia: 1 semana depois, 1 mês e 1 semestre, para avaliar se estava tudo certo.
“Depois que cicatriza, seguimos com vida normal”, comemora Rafaela.
Como é a vida depois da circuncisão ou postectomia?
Uma das dúvidas mais frequentes sobre circuncisão ou postectomia é sobre a sensibilidade e a capacidade de sentir prazer na glande. O Dr. Henrique tranquiliza os pais que fazem essa pergunta: “a pele pode engrossar um pouco, o que é importante para proteger de infecções, mas a função sexual e de prazer permanecem intactas”.
Aliás, é preciso estar preparado também para quando as crianças começarem a perguntar sobre sexualidade e outros temas mais íntimos. Confira as dicas da psicopedagoga Flávia Valadares sobre como conversar sobre temas mais delicados.