Mitos e verdades sobre guarda compartilhada
Numa separação, a decisão pela guarda compartilhada vai muito além de “com quem a criança vai morar”.
Você provavelmente conhece alguma história como esta: Joana e Carlos eram casados e tiveram o Pedro. Porém, os anos passaram e o casal percebeu que não havia compatibilidade entre eles. Decidiram se divorciar de forma amigável, mas e Pedro?
A guarda compartilhada foi a opção deles – e também a de cerca de 24% dos casais separados do Brasil no último ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O modelo é o reconhecimento de que marido e mulher podem se separar, mas que a relação e o compromisso com os filhos continua.
A ideia é colocar o bem-estar das crianças em primeiro lugar. Mas a guarda compartilhada ainda gera muitas dúvidas na hora de ser posta em prática.
O que é guarda compartilhada, guarda unilateral e convivência? Qual é a diferença entre os modelos?
Muita gente ainda confunde guarda e convivência, comenta a advogada Rita Braun, mãe de Miguel, 6 anos, e que trabalha há quase 10 anos com questões de família.
Entender a diferença é importante quando se quer tratar as crianças não como objetos, mas como sujeitos com direitos.
A guarda diz respeito à administração das questões-base (vida escolar, saúde, passeios e convivência familiar, entre outras) da rotina dos filhos. Tem a ver com qual das partes decide essas questões.
Já a convivência é a presença, ainda que seja de vez em quando, dos genitores no dia a dia da criança.
No ordenamento jurídico brasileiro, existem duas modalidades de guarda:
- Guarda compartilhada: é a regra geral, aplicada como padrão, salvo exceções. A criança tem uma residência fixa com um dos pais e ambas as partes devem decidir as questões-base.
- Guarda unilateral: é fixada de comum acordo, quando uma das partes abre mão da guarda, ou por decisão judicial. Nessa modalidade, a mãe ou o pai que detém a guarda unilateral pode decidir sobre as questões-base da vida da criança sem consultar a outra parte.
Qualquer que seja o tipo de guarda escolhida, a convivência com a mãe e o pai segue sendo direito deles e da criança. Então, mesmo que a guarda seja unilateral, visitas e passeios são não apenas permitidos, mas recomendados, desde que não haja riscos à segurança da criança. Também é importante lembrar que, além das normas de convivência, em ambas as modalidades de guarda é fixada a pensão alimentícia para ajudar no sustento dos filhos.
Guarda compartilhada: como funciona segundo a lei?
Se um casal opta pela guarda compartilhada, a criança precisa passar 15 dias na casa de um responsável e 15 dias na casa do outro? Essa é uma das dúvidas mais comuns de muitos pais e a resposta é: não, não é disso que se trata!
Deve-se estabelecer uma residência fixa para a criança, dando direito de livre convivência ao outro genitor. Porém, além do tempo de convivência, as responsabilidades e deveres são divididos de maneira igualitária entre as duas partes.
Lembra do Pedro, que citamos lá no início? Ele mora com a mãe, mas questões da escola, de viagens e das atividades que o menino faz no contraturno são decididas em conjunto entre a mãe e Carlos, seu pai.
Guarda compartilhada paga pensão alimentícia?
A guarda compartilhada parte do pressuposto de que as duas partes do ex-casal têm direitos e deveres iguais sobre a criação da criança. Então, as responsabilidades financeiras também são iguais.
A proporção financeira pode ser acertada entre o casal no acordo do divórcio ou, caso não haja acerto, é determinada pelo juiz. A pensão deve ser paga ao responsável com quem os filhos têm residência fixa, pois, este é o que demanda mais recursos financeiros na criação.
Guarda compartilhada é a partir de qual idade?
Por ser uma forma de aproximar ambos os genitores do dia a dia da criança e das decisões importantes para o seu desenvolvimento, não há limite mínimo de idade para a guarda compartilhada.
Então, mesmo se a criança for um bebê recém-nascido, é possível dividir a guarda e os deveres igualmente.
Quais são os benefícios da guarda compartilhada?
Em qualquer caso de divórcio, o bem-estar da criança sempre vai ser a prioridade juridicamente. E a guarda compartilhada é uma forma de ajudar a assegurar esse bem-estar.
Por favorecer a participação de ambos os pais nas decisões, esse tipo de guarda ajuda na manutenção do vínculo parental.
Dá mais trabalho? Dá, mas faz com que os filhos percebam que os pais se envolvem nas questões importantes da sua vida.
Cada casa com suas regras: os territórios na guarda compartilhada
Durante o processo de separação, é importante definir bem as regras de convivência. Isso, destaca a advogada Rita, é feito sempre de forma oficial.
“Ainda que os pais estejam de comum acordo quanto às questões dos filhos, é necessário que este acordo seja homologado pelo Poder Judiciário para ter validade e para resguardar os interesses das crianças e adolescentes. Não são possíveis acordos ‘de boca’ ou extrajudiciais”, diz a advogada.
Definidas as regras gerais de convivência, cada parte tem autonomia, dentro da guarda compartilhada, para decidir como será o dia a dia da criança na sua casa.
Você não gosta de algum parente da família do seu ex e quer proibir que a criança conviva com essa pessoa quando estiver na casa dele? Você discorda das regras de tempo de TV ou do cardápio de sobremesas da casa da sua ex? Bem, se as questões não violarem o acordo de convivência, cada parte tem autonomia para lidar com isso da maneira que achar mais adequada. Cada casa com suas regras.
“Estando a saúde física e psicológica da criança preservadas, as dinâmicas do lar, como horários para alimentação, banho, acordar, dormir, ficam a cargo do genitor responsável no momento, não havendo a possibilidade de interferência do outro genitor”, ressalta Rita.
Claro que certos hábitos podem ser alterados ou abolidos mediante o diálogo. O importante é buscar sempre uma solução que preserve o bem-estar dos filhos. Rita, como advogada, recomenda que esses pedidos de ajustes de conduta envolvendo questões delicadas sejam sempre registrados por e-mail.
Seu ex-cônjuge tem algum hábito ou atitude que, na sua opinião, coloca seus filhos em risco? Converse amigavelmente e formalize o pedido de ajuste por e-mail. Isso pode ajudar se o problema se agravar e for necessário recorrer à mediação de órgãos competentes.
“O ideal é que os genitores consigam conversar e solucionar em comum acordo todas as questões, mas, claro, os conflitos existem e, quando não conseguem resolver sozinhos, pede-se a intervenção do Poder Judiciário. Deve-se ter em mente que qualquer órgão (Conselho Tutelar, Delegacia e Poder Judiciário) sempre olhará em primeiro lugar para o bem-estar e proteção integral das crianças e adolescentes, deixando em segundo plano os desejos dos genitores”, diz Rita.
Guarda compartilhada: requisitos para fazer o pedido
Segundo o art. 1548 do Código Civil, o único requisito para a guarda compartilhada é que as duas partes estejam aptas para exercer o poder familiar. Ela não necessita da concordância dos genitores. Além disso, só não é deferida caso uma das partes não esteja apta para ter as responsabilidades da guarda da criança. Ela também não é deferida caso a relação entre o ex-casal seja tão hostil que se torne impossível uma harmonia familiar.
O que fazer quando uma das partes não quer guarda compartilhada?
A guarda compartilhada não é recomendada apenas quando uma das partes não é apta ou quando a relação entre os genitores é hostil, como já pontuado anteriormente. No entanto, caso uma parte não queira seguir com a guarda compartilhada, pode haver uma negociação, fazendo que um dos genitores abra a mão. Assim é estabelecida a guarda unilateral.
Como reduzir o impacto negativo da separação nos filhos?
“Mesmo que existam grandes conflitos entre o ex-casal, é muito provável que o filho ame ambos, tanto pai quanto mãe, e precisa física e emocionalmente da presença de ambos para crescer saudável”, afirma Rita.
A advogada cita alguns pontos que são fundamentais para reduzir o impacto da separação no psicológico das crianças:
- Evitar desqualificar o outro genitor na presença dos filhos
- Evitar brigas diante das crianças
- Respeitar a idade e a maturidade da criança ao tratar de questões delicadas sobre a separação
- Não é recomendado que as crianças sejam informadas sobre brigas e disputas entre os pais
- É recomendado, quando houver possibilidade, que se procure apoio profissional, como acompanhamento psicológico, para auxiliar os pais e a criança na transição
Além disso, também é muito importante que sejam definidas e cumpridas regras de convivência, independentemente do tipo de guarda decidida pelo ex-casal.
O amor pelo ex-parceiro pode acabar, mas o amor pelos filhos é para sempre e supera qualquer adversidade. Quaisquer que sejam as histórias de vida de cada um e as circunstâncias da separação, com diálogo e mente aberta é possível uma convivência saudável e madura.
Outra questão importante na vida de mães e pais separados é a hora de apresentar novos parceiros aos filhos. Confira dicas sobre como fazer isso neste artigo: