Irmãos gêmeos: dose dupla de amor e desafios
“O irmão é o seu espelho, porque está sempre no mesmo papel familiar que você. Por isso que é uma relação muitas vezes conflituosa, porque é no irmão que você se espelha e se compara. Mas também é com ele que você cria a sua dualidade, a sua personalidade”. Essa explicação da neuropsicóloga Renata Braite sobre irmãos gêmeos explica muito sobre a relação entre essas crianças. Pessoas tão iguais, mas com suas particularidades, que crescem juntos e estabelecem seu crescimento na companhia do outro.
Ter filhos gêmeos mexe com o imaginário de pais e mães. Vamos conversar neste texto sobre a parentalidade de criar irmãos gêmeos. Quais são os principais desafios?
Quando o primeiro ultrassom aponta a chegada de filhos gêmeos, o universo familiar se inunda de sonhos, vontades e medos. Criar um filho não é uma tarefa fácil, imagina dois ou mais – e ao mesmo tempo? Será que tudo vem realmente em dobro?
Vamos lá?
Ser mãe ou pai de irmãos gêmeos. Quais são os principais desafios?
Ser pai ou mãe de irmãos gêmeos já se diferencia na gravidez. Isso porque a gestação gemelar tem um peso diferente do que a de um filho só. O pré-natal precisa ser feito de forma mais rígida, pois a mãe apresenta maior risco de parto prematuro, desenvolver pressão alta ou diabetes.
A fisioterapeuta Georgia Raymundo precisou de repouso na gestação gemelar e passou por um parto prematuro extremo. “Ouvia que ‘repouso na gravidez é frescura’, o que é uma mentira. Meu parto foi prematuro extremo, e se eu tivesse tido apoio e não julgada como frescura, poderia ter tido um parto melhor”, desabafa. Mãe de Luca e Fabio, de 6 anos, ela conta que os desafios na criação de gêmeos continuam.
“Ouvi muito que ‘bom que o trabalho é um só’, o que é mentira. São duas pessoas com necessidades e individualidades diferentes e que só nasceram no mesmo dia. Na verdade, o trabalho é mais do que dobrado, principalmente se você for mãe de primeira viagem, onde tudo é novidade e em dobro”, conta.
Como respeitar a individualidade dos irmãos gêmeos?
A neuropsicóloga Renata Braite lembra que os gêmeos precisam ser respeitados em sua individualidade. “A pessoa que tem um irmão gêmeo olha para o irmão como uma pessoa completamente diferente de si mesma. Afinal de contas, ele tem escolhas diferentes, tem características diferentes. Desde muito cedo, os irmãos gêmeos vão se distinguindo um do outro”, explica.
Segundo a profissional, a criança consegue se identificar desde cedo como diferente e são os adultos que buscam a simetria entre os irmãos. “Na sua forma pueril, ela entende o gêmeo como uma pessoa totalmente diferente dela. Essa questão de ficar procurando simetria e assimetria entre os gêmeos é da cabeça do adulto. Então, os gêmeos se deparam com os adultos olhando para eles e apontando as comparações”, conta Renata.
Esse é um grande desafio para os pais de gêmeos: conseguir respeitar sua individualidade, mesmo com tantas semelhanças físicas e com o crescimento em conjunto.
As dificuldades na criação de irmãos gêmeos
E quem acredita que o crescimento em conjunto pode facilitar o andamento da rotina diária está enganado! São dois recém-nascidos, dois bebês, duas crianças, dois adolescentes que crescem juntos, e podem demandar o mesmo cuidado na mesma hora.
Nesses 6 anos dos filhos, Georgia e o marido já sabem bem isso. “As necessidades podem ser diferentes ou iguais, só que acontecem ao mesmo tempo. Por exemplo, na época de bebê era amamentar e/ou alimentar os dois, que choravam de fome. Hoje, maiorzinhos, são as tarefas diárias, educação em casa e educação escolar”, conta.
Quando os dois bebês choram de fome ao mesmo tempo, como fazer? Muitas mães conseguem táticas para amamentar os dois bebês ao mesmo tempo, mas nem sempre isso é fácil na hora de se adaptar à amamentação.
Por esse e outros motivos dos cuidados diários, uma rede de apoio é mais do que essencial para a família com gêmeos! “A exaustão física e mental no meu caso, que não tenho rede de apoio, pesa bastante no meu dia, já que ainda precisamos dar conta da casa e do trabalho”, desabafa a fisioterapeuta, que, ao lado do marido, tem dificuldade em equilibrar as demandas.
4 mitos e verdades sobre irmãos gêmeos
A facilidade que pode ser criar duas crianças ao mesmo tempo é um dos muitos mitos que rodeiam a parentalidade de gêmeos. Vamos conversar sobre eles?
1) Bom que o trabalho é um só
MITO. Como dito anteriormente, é preciso respeitar a individualidade de cada criança. Cada uma tem uma necessidade, um desafio, uma demanda e particularidade. São duas crianças sendo educadas ao mesmo tempo, não uma só. Então, o trabalho é, sim, dobrado.
2) Eles são idênticos
DEPENDE. Nem todo gêmeo é idêntico ao irmão! Há duas possibilidades de gestação de gêmeos: univitelinos e bivitelinos .
No primeiro caso, eles são gerados a partir de um único espermatozóide que fecundou um único óvulo. Assim, acreditava-se que fossem geneticamente idênticos. Porém, um estudo recente apontou que existem mutações de DNA que acontecem ainda na fase embrionária, gerando diferenças desde o nascimento, ainda que sutis.
Entre gêmeos bivitelinos, a diferença é mais acentuada. Eles são formados a partir de dois óvulos fecundados e formam dois embriões diferentes. Eles dividem a mesma gestação, mas não são geneticamente iguais.
3) Irmãos gêmeos crescem juntos e viram companheiros
“PODE ACONTECER. Eles são muito companheiros um do outro”, garante Georgia. Irmãos gêmeos, principalmente na infância, têm uma tendência a ser muito companheiros e precisar um do outro para se sentirem seguros e acolhidos.
“Alguns aspectos importantes são observados quando esses gêmeos estão juntos, como a cooperação e a segurança. Elas levam a uma maior regulação emocional dessas crianças”, explica a neuropsicóloga Renata Braite.
4) Melhor separar para criar individualidade
MITO. Filhos gêmeos precisam ter sua individualidade respeitada, mas não é separando os dois que isso acontece. Eles podem permanecer juntos, no mesmo grupo de amigos, na mesma escola, e exercer sua individualidade normalmente, como qualquer irmão e irmã.
Irmãos gêmeos na escola: é melhor estudar junto ou separados?
A dúvida sobre a individualidade dos filhos gêmeos ganha mais uma camada quando o assunto é escola. Algumas escolas contam com regras próprias, como não manter irmãos gêmeos na mesma sala de aula. Elas alegam que eles se desenvolverão melhor em turmas separadas e temem competição entre as crianças. Será que existe um cenário ideal?
Antes de tudo, é importante salientar que não existe nenhuma lei que determine a permanência de irmãos na mesma sala de aula ou em salas diferentes. A Lei 13.845 de 2019 garante que irmãos com idade aproximada estudem na mesma escola, mas não diz nada sobre a turma.
Um estudo realizado no Reino Unido em 2004 apontou que irmãos gêmeos separados aos 5 anos, na pré-escola, têm mais problemas internalizantes como isolamento, ansiedade e depressão em comparação aos que não foram separados nessa idade. Além disso, eles também apresentaram problemas de leitura.
Por outro lado, quando replicado na Holanda, esse estudo teve um resultado diferente e não apontou problemas em crianças separadas de seus gêmeos na pré-escola.
Converse na escola sobre a situação dos irmãos gêmeos
A questão pode gerar polêmica no relacionamento entre a família e a escola, mas cada caso deve ser conversado individualmente. É o que explica a neuropsicóloga Renata Braite.
“Manter os gêmeos juntos ou separados tem que ser uma decisão tomada a partir de um diálogo entre pais, mães, escola e crianças. As partes têm que se sentir unidas nessa decisão. Cada relação é única”.
Segundo a neuropsicóloga, irmãos gêmeos na mesma sala de aula podem se ajudar no desenvolvimento e ser regulador emocional um do outro.
“Isso faz com que eles aprendam mais, garantindo que se desenvolvam de uma forma mais adequada. A escola pode ser o primeiro ambiente em que os gêmeos se separam. Então é importante, às vezes, que eles continuem se sentindo o suporte um do outro. Às vezes esquecemos de ver a cooperação, o vínculo, tão importante para o desenvolvimento deles”, completa.
A fisioterapeuta Georgia Raymundo passa por esse momento atualmente. Os filhos Luca e Fábio sempre frequentaram a escola juntos, mas a família tem repensado essa condição.
“No meu caso, eles estudam juntos na mesma sala e não aceitam a ideia da separação. No início foi muito bom para a adaptação escolar, que ocorreu quando eles tinham 4 anos de idade. Se socializaram bem, fizeram seus próprios amigos, iguais e diferentes, e na questão pedagógica eles sentam longe um do outro. Mas mesmo assim, acabam interferindo um na atividade do outro, o que tem me deixado em alerta”, comenta.
A mãe dos gêmeos afirma que pretende levar os filhos para uma consulta com uma neuropsicóloga infantil e avaliar qual seria a melhor opção.
Irmãos gêmeos superunidos: incentivar ou não?
Essa é uma questão que leva para outro ponto: até quando é saudável a superunião entre irmãos gêmeos? Fazer tudo juntos, brincar juntos, estudar juntos, ter os mesmos amigos? Isso atrapalha a individualidade?
Se você tem em casa filhos muito unidos, respire aliviado. Está tudo bem! “Não tem perigo, irmãos unidos demais não tem perigo. Assim como demonstração de amor demais não existe. Abrace, beije os filhos, troque carinhos. Você cria crianças mais seguras. Quanto mais se sentirem amadas, mais seguras elas serão.
O exemplo vale mais do que a palavra. Se o exemplo na prática for de união entre os pais e ele for passado para os irmãos, eles vão conseguir se enxergar de uma forma mais equiparada, mais simétrica. Com isso, as relações de dependência vão ser mais difíceis de existir. Porque vai ser uma relação cada vez mais voluntária, de mais cumplicidade. Essa é uma relação saudável entre irmãos”, explica Renata Braite.
Georgia afirma que os filhos seguem esse exemplo: “Eles são muito unidos, fazem tudo juntos e desistem de fazer um pelo outro”. Algumas famílias temem que o excesso de união possa atrapalhar a formação da personalidade da criança, sua individualidade ou seu desenvolvimento.
Os benefícios da união entre irmãos gêmeos
A neuropsicóloga Renata Braite afirma que essa relação mais próxima entre os irmãos só traz benefícios. Segundo a profissional, é na relação com o irmão que a criança se enxerga. Por ocuparem o mesmo lugar na família – de filhos –, eles enxergam um no outro um “espelho”. Assim, um irmão gêmeo tem no outro um modo de analisar seu próprio papel naquele núcleo familiar. Isso não significa que eles são iguais. Mas que, na relação com o irmão, o gêmeo consegue enxergar as suas particularidades, semelhanças e formar a sua própria personalidade.
“Por isso é uma relação tão rica entre irmãos. E ela deve ser conduzida na base da união. União, à vontade”, explica.
Caso a família observe que um irmão seja muito dependente do outro, Renata afirma que a união deve ser mais incentivada ainda, pois ela ajuda a gerar a autonomia.
“Quando eu percebo que tem uma relação de dependência, tem que estimular ainda mais a união dos irmãos. Porque relações desequilibradas, onde não há união, são relações que vão fomentar a falta de autonomia, de independência.
Quando eles apoiam, se dão suporte nos pontos que um ou outro têm mais dificuldade. Com isso, as relações de dependência vão ser mais difíceis de existir. Porque vai ser uma relação cada vez mais voluntária, de mais cumplicidade”, completa.
Ter filhos unidos ajuda em seu desenvolvimento, seu crescimento e na superação de desafios. Mas isso não significa que não exista conflito na relação entre gêmeos. E o que fazer com o excesso de brigas que podem acontecer?
Irmãos gêmeos que brigam demais: como lidar?
Irmãos brigam, e com os gêmeos isso não é diferente. Georgia conta que mesmo os filhos sendo tão unidos, acabam brigando por terem personalidades bem diferentes. Como lidar com as brigas entre os gêmeos?
Muitas vezes se imagina que irmão gêmeos seguirão “unidos para sempre” por dividirem toda a vida, desde a estadia na barriga da mãe. Então, os pais se deparam com brigas e precisam aprender a equilibrar essa relação.
A neuropsicóloga Renata Braite explica que irmãos gêmeos estão acostumados a serem comparados o tempo inteiro. Esse tipo de vivência pode ajudar a gerar conflitos que ocasionam brigas entre as crianças.
“Se os seus gêmeos estão brigando muito, tente olhar para eles de forma diferenciada. Escute-os e os preserve nas suas individualidades”, indica.
Mais uma vez, precisamos lembrar: irmãos gêmeos, mesmo quando idênticos fisicamente, são pessoas únicas, com personalidades e vivências únicas.
Ter uma escuta ativa com cada um dos gêmeos e entendê-los como seres humanos em formação, individuais, pode ajudar bastante na resolução de conflitos. “Daí, eles tendem a se sentir ouvidos como seres humanos únicos que são, e os conflitos tendem a ser apaziguados de forma mais tranquila”, diz Renata.
Irmãos gêmeos podem ter os mesmos problemas de saúde?
Segundo Jeffrey Craig, professor de ciências médicas da Universidade Deakin, na Austrália, gêmeos têm diferenças acumuladas na estrutura e funcionamento dos genes mesmo antes de nascer, mesmo sendo geneticamente idênticos.
De acordo com um estudo australiano, as diferenças aparecem por causa de eventos aleatórios e experiências individuais dentro do útero.
Muita coisa pode influenciar a diferenciação genética, como o local em que o óvulo fixa no útero da mãe. Essa fixação acontece de forma aleatória, mas alguns locais do útero são mais propensos para o crescimento do embrião.
Caso os gêmeos idênticos tenham se dividido antes de chegar ao útero, a forma que o bebê se desenvolve pode ser diferente. Isso e outros eventos podem ocasionar diferenças de peso ao nascer e, consequentemente, maior risco de doenças ao nascimento.
O que significa que os gêmeos, ao decorrer da vida, não apresentarão sempre os mesmos problemas de saúde. Com doenças virais e cotidianas, até o momento de adoecer pode ser diferente, como em qualquer caso de irmãos.
“Eles ficam doentes com uma diferença de dois, três dias. Quando um pega, o outro pega também”, comenta Georgia sobre seus filhos gêmeos.
O importante é sempre lembrar: mesmo que eles tenham nascido juntos ou tenham a mesma aparência, irmãos gêmeos são únicos e precisam ter a sua individualidade respeitada! É uma maternidade e uma paternidade em dobro, ao mesmo tempo, mas com crianças individuais.
Por mais que a vontade de vesti-los igual para sempre seja presente, lembre-se que a melhor coisa é respeitá-los como crianças únicas e incentivar sua união, com muito amor. Afinal, quem não gostaria de nascer ao lado de seu melhor amigo?