O que a psicanálise diz sobre a “mãe suficientemente boa”
Aquele ideal de “melhor mãe do mundo”, sempre presente, elogiada por todos, com crianças que não falham nunca é uma expectativa um tanto irreal, você concorda?
Mas é essa imagem romantizada que assombra muitas mães, que sofrem com comparações, culpa, vergonha, raiva e, muitas vezes, solidão. Se por um lado as redes sociais aumentam a conexão entre pais e filhos, por outro também aumentam a pressão por uma maternidade perfeita e feita para os posts de Instagram.
E por que as mães sofrem tanto? Será que estamos sendo tão insuficientes assim? Conversamos com a psicanalista Mônica Pessanha sobre esses e tantos sentimentos que envolvem o maternar.
Entrevista com a psicanalista Mônica Pessanha
Seguindo a linha winnicottiana de análise das relações humanas, Mônica é também palestrante e dá cursos sobre maternidade consciente. Neles, ela ajuda mães a investigarem de onde vêm os diferentes sentimentos e como lidar com eles. Aqui, ela aponta caminhos importantes para quem quer se encontrar nesse turbilhão emocional da maternidade.
E será que realmente existe a melhor mãe do mundo? Confira na entrevista abaixo!
Em 1949, o psicanalista e pediatra Donald W. Winnicott criou o conceito da “mãe suficientemente boa” em contraposição a essa idealização da suposta mãe perfeita.
Ninhos do Brasil: Como o conceito da mãe suficientemente boa se relaciona com a ideia de humanização das mães e de maternidade consciente que você aborda nos cursos e palestras?
Mônica Pessanha: A mãe suficientemente boa sabe que falhar a torna humana, isso faz com que ela se sinta mais capaz para fazer diferente em outra situação vivida com o filho. Ela entende que não é responsável pela felicidade do filho, mas responde pelas necessidades da criança.
Uma maternidade consciente é essa que compreende as falhas e lida melhor com suas emoções, como a culpa. A culpa em si não é terrível. Tem uma função. Pode ser protetora. Pode nos incitar a fazer algo diferente, mudar, consertar etc.
Em nossa experiência de maternidade, pode nos alertar para fazermos melhor quando sabemos que as coisas estão erradas. No entanto, também pode ser debilitante se virar um ponto de obsessão diária.
Se nossos pensamentos estão consumidos pela culpa, censura e autodepreciação, então algo precisa mudar. Cada mulher que encontrei em meu consultório poderia se relacionar em algum grau de culpa, e depois com uma leveza da compreensão desse sentimento.
Nas minhas palestras sobre a humanização das mães, trago a ideia de que a sociedade pode contribuir positivamente para que a mãe não se perca em suas emoções, tirando dela o “peso” de ter que ser perfeita.
É lamentável, mas vivemos em uma sociedade que santifica a mãe, mas penaliza sua maternidade. E essa foi a nossa grande motivação para criar um espaço de discussão sobre a necessidade dessa desconstrução da maternidade performática e reconhecer nossas limitações, e de olharmos para nossa identidade.
É urgente que nós olhemos com mais amor e que humanizemos as mães. Paremos de sobrecarregá-las com referências falaciosas de super-heroínas ou daquelas que “sempre dão conta”. Porque, às vezes, não damos conta e nem queremos, e tudo bem! Não somos super-heroínas!
NDB: Quantos sentimentos podem estar envolvidos na maternidade? Amor, realização, frustração, raiva culpa?
MP: Tudo junto e misturado (risos)! Mas eu acredito que o que mais fragiliza a mãe é a solidão. A solidão é um sentimento vivido por tantas mães por aí, né? Por que isso acontece?
Primeiro porque a interação adulta foi completamente interrompida. Para piorar a situação, na fase de recém-nascido, é bem possível que a mãe nem saia de casa. Como humanos, somos seres sociais. Nós ansiamos por interação com os outros.
Segundo, porque existe uma dificuldade em verbalizar sentimentos. Principalmente com o parceiro. A maternidade pode realmente interferir na conexão da mãe e seu parceiro que uma vez tiveram.
O ideal é que a mãe deixe o seu parceiro saber como está se sentindo. Dizer ao parceiro o que ela precisa dele para ajudá-la a se sentir apoiada e menos sozinha, é muito difícil para uma mulher que aprendeu a vida toda que as “mães dão conta de tudo”.
NDB: E quando a mãe sente raiva, esse sentimento tem uma função?
MP: A raiva é uma emoção como muitas outras. Pode aparecer como uma emoção primária, mas muitas vezes se apresenta como uma emoção secundária. Isto é, uma emoção sobre outra emoção, que é difícil (dolorida, sofrida) de ser compartilhada: pode ser exaustão, solidão, medo, desconforto físico etc.
Mas ela é como um sinal de socorro. É a maneira como nosso corpo, mente e existência inteira acenam com uma bandeira dizendo "Preciso de ajuda... por favor, me ajude." É nosso trabalho fazer algumas pesquisas internas para descobrir qual é a necessidade (ex.: preciso descansar? Preciso de apoio? Preciso ser visto/ouvido? etc.)
NDB: Qual é a importância dos nossos erros?
MP: Na maternidade vejo que a função é proteger das situações futuras com os filhos, porque podemos aprender a fazer diferente.
Muitas “mães fortes, corajosas e guerreiras” me escrevem dizendo que se sentem fracassadas, que erram o tempo todo. Por quê? Porque a maternidade é exaustiva sem tentar manter a ilusão de perfeição, imagina “mantendo”.
Erramos muito. Eu quero que mães saibam que não estão sozinhas. Todas nós temos dias ruins. Todas nós ficamos com raiva. Todos nós perdemos a paciência. Todas nós erramos. Todas nós desejamos renovações.
NDB: Winnicott falou muito sobre a relação da mãe com o bebê, mas como ser uma mãe suficientemente boa de crianças crescidas?
MP: Acho que sempre poderemos ser mães suficientemente boas independente da idade dos filhos. Essa teoria tem a ver com ser uma mãe que está trabalhando duro para ser uma boa mãe e fazendo uma escolha diária para dar o melhor ao seu filho.
Você provavelmente já fez sacrifícios financeiros, pessoais e até profissionais, afinal, então os resultados não deveriam ser melhores do que bons o suficiente? Mas a mãe e seu filho são humanos, e a perfeição não é possível em nenhum relacionamento humano.
E é mais do que apenas aceitar que a perfeição não é possível; precisamos parar de pensar na maternidade como uma doação sem esforço, porque a abordagem mais saudável preserva espaço para o espaço físico, emocional e social da própria mãe. Mas, para ser boa o suficiente, tudo o que mãe precisa fazer é sacudir a cabeça e tentar de novo.
Acredite em mim: eles precisam dos abraços (e do jantar, e do banho, e das risadas compartilhadas) e não estão nos avaliando pela qualidade de seu desempenho. É sobre a imperfeição ser aceita em suas experiências e existências. Principalmente porque se não existe mãe perfeita, não existirão crianças perfeitas. E todos podem viver bem com isso.
NDB: Muitas vezes pensamos que independentemente dos nossos erros ou acertos, nossos filhos vão reclamar de nós na terapia no futuro. É verdade isso? Tem escapatória?
MP: A mãe socialmente construída é perfeita e incompatível com a mãe suficientemente boa. É desse lugar que vem a culpa. Daí vem parte do medo de errar na educação dos filhos.
É muito provável que os filhos possam reclamar das mães em terapia, pelo simples fato de que a educação é impossível, nos lembra Freud. Isso não quer dizer que ela não é realizável, mas ela nunca é completa. Por isso que uma mãe perfeita não existe. Sempre haverá um resto, uma diferença.
E isso pode aparecer na terapia, mas não significa que esse será o motivo de levar a pessoa para terapia, como um trauma ou algo nesse sentido. Sim, há escapatória: ser a mãe possível para seu filho.
A melhor mãe do mundo não existe. Até porque não existe essa competição 😉 A gente vai errar, aprender com os erros e buscar sempre melhorar. Estamos sempre em fase de crescimento, não é mesmo?
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