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Ninhos do Brasil + Carochinha Editora: Ninhos do Brasil se uniu à Carochinha Editora, selecionando histórias que auxiliam nas questões enfrentadas em diferentes fases. Confira!

Diversidade de gênero: como conversar com as crianças?

Ninhos do Brasil NB
Seis crianças, garotos e garotas, posam para a foto sorrindo em um cenário de sala de aula, ilustrando a diversidade de gênero.

Diversidade de gênero ainda é um assunto tabu para muitas famílias. Por medo de errar, confusão de conceitos ou preconceito, muitas vezes a questão da identidade de gênero é excluída das conversas sobre educação dos filhos.

Mas o silêncio, na maioria das vezes, acaba transmitindo uma mensagem: a de que isso não existe. Que existências que destoam do padrão menino ou menina não são válidas. A consequência? O sofrimento de quem não integra o que socialmente é visto como padrão.

Triste estatística:
62,5% das pessoas LGBTQIA+ entrevistadas já pensaram em suicídio.
52,6% já sofreram alguma violência LGBTfóbica (na rua, na escola, ou em casa)
Fonte: Ensaios sobre o perfil da comunidade LGBTI+, do Instituto Brasileiro da Diversidade Sexual

E não queremos isso! Queremos ver nossas crianças e adolescentes felizes e amados da forma como são, não é mesmo? Por isso, propomos uma conversa aberta sobre o tema. Vamos nessa?

Neste texto, você vai ver:

  • Conceitos: identidade de gênero, sexo e orientação sexual: qual é a diferença?
  • Com que idade se manifesta a transexualidade ou a orientação sexual?
  • Como falar sobre diversidade com as crianças?
  • Acho que meu filho ou filha é gay, lésbica, trans. O que fazer?

Identidade de gênero, sexo e orientação sexual: qual é a diferença?

Não faz muito tempo que esses conceitos começaram a ganhar maior visibilidade. É comum que ainda haja muita confusão entre os termos. Esta ilustração ajuda a entender a diferença entre eles:

imagem com indicadores de identidade de gênero

Sexo biológico

Diz respeito às características biológicas, órgãos internos e genitais. É determinado assim que nascemos (ou até antes, no ultrassom): menino ou menina. Embora seja mais raro, pode acontecer ainda o desenvolvimento de órgãos dos dois sexos. Nesse caso, temos as crianças intersexo.

Apesar de serem parte importante do corpo, não são os genitais que definem nossas capacidades individuais, formas de expressão e afetos. Aí, chegamos em outros conceitos:

Gênero ou identidade de gênero 

É como a pessoa se sente, independente da anatomia, e como prefere ser representada na sociedade. A pessoa é cisgênero quando se identifica psicologicamente e socialmente com o sexo biológico.

Quando não se identifica com as categorias tradicionais, pode ser uma pessoa transgênero (quem não se reconhece no gênero que recebeu ao nascer), transgênero não binário (quando a identidade não é representada apenas pelo duo homem/mulher), agênero (quem não se identifica com gênero algum), etc.

Essa identidade ou forma de expressão de gênero pode aparecer já na primeira infância, mas não necessariamente, como veremos adiante.

Expressão de gênero

É a forma como a pessoa se apresenta socialmente, a partir de roupas e penteados, por exemplo, em relação à expectativa da sociedade. Aqui pode-se identificar padrões mais associados socialmente às representações femininas, masculinas ou andróginas, que não necessariamente têm a ver com sexualidade.

Orientação afetivo-sexual

Diz respeito a para quem a pessoa vai direcionar seus afetos e desejos. E normalmente os indivíduos só vão reconhecer qual é sua orientação próximo à puberdade.

LGBTQIA+: o que significa cada letra? 

A sigla abrange diferentes manifestações de identidade e sexualidade na luta por direitos, reconhecimento e respeito. Olha só:

  • L = Lésbicas (mulheres que sentem atração afetiva e/ou sexual por mulheres);
  • G = Gays (homens que sentem atração afetiva e/ou sexual por homens);
  • B = Bissexuais (pessoas que sentem atração por pessoas de ambos os gêneros);
  • T = Transgêneros, transexuais e travestis (pessoas que não se identificam com o gênero designado ao nascer ou se identificam com mais de um gênero);
  • Q = Queer (pessoas que transitam entre as noções de gênero, como as drag queens, ou simplesmente qualquer pessoa que não seja heterossexual ou cisgênero);
  • I = pessoas Intersexo (pessoas que estão biologicamente entre o feminino e o masculino);
  • A = Assexuais (não sentem atração sexual por nenhuma pessoa);
  • O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero.

Existem crianças LGBTQIA+? Quando isso começa a se manifestar?

Crianças de todas as idades  podem fazer parte da população LGBTQIA+, sendo representadas no T ou no I (transsexualidade ou interessexualidade).
 
É importante reconhecer e dar voz a isso, especialmente quando apresentam sofrimento em relação ao corpo e às expectativas sociais.
 
Já as outras categorias costumam se manifestar a partir do início da puberdade. 

Com que idade se reconhece que uma criança é trans?

Não existe uma idade certa, cada criança tem um tempo e um processo.

A filha da Thamirys Nunes, autora do livro Minha Criança Trans, começou a mostrar os primeiros sinais antes mesmo dos dois anos de idade. Mas a identificação dela como menina em vez de menino aconteceu com mais de quatro anos.

É importante lembrar que as crianças, em suas brincadeiras, podem transitar entre os diferentes gêneros: ser a mamãe ou o papai, independentemente do gênero, gostar de boneca e de carrinho. Isso faz parte da descoberta do mundo.

Para Thamirys, o que difere é a insistência e a persistência da criança em se afirmar com o gênero que não coincide com o sexo biológico. Para ela, o alerta ficou mais nítido “quando a questão e a insatisfação apareciam não só nas brincadeiras, mas se repetiam em muitas situações diferentes, como no banho, na hora de se vestir, de ir à praia, entre outras”, complementa.

A médica pediatra Ana Carolina Novo, que atua no Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS), do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, nos ajuda a entender como isso acontece:

Segundo ela, mesmo que ainda não entendam toda a magnitude ou significado de gênero, desde os primeiros meses, os bebês vão percebendo padrões femininos e masculinos. Isso ocorre em detalhes da face e na voz, por exemplo.

Por volta dos 2 anos de idade, “elas já reconhecem brinquedos e roupas de meninos e de meninas e fazem escolhas em função disso. Mas nessa idade ainda acham que o gênero muda se mudar de roupa e cabelo”, explica. “Entre quatro e seis anos de idade, as crianças já entendem que o gênero é estável e não vai mudar. E, a partir daí, ocorre uma escolha de roupas e de brincadeiras associados ao próprio gênero ainda maior”.

Esse recohecimento de gênero – coincidente ou não com o sexo biológico - não tem a ver com a educação, muito menos com “ideologia de gênero”. Alguns estudos já mostraram que a área do cérebro ligada à identidade de gênero se desenvolve separadamente ao desenvolvimento da genitália. A coincidência entre os dois pode acontecer ou não.

E a idade para descobrir a orientação sexual? Existe?

Se a questão da identidade pode aparecer desde a primeira infância, a orientação sexual demora um pouco mais a se manifestar.

Isso porque a própria sexualidade ou interesse pelo tema tende a se manifestar a partir do surgimento dos hormônios da puberdade. E isso pode variar de criança para criança, desde os 8 até os 14 anos.

Apesar de serem comuns os relatos de pessoas que afirmam se saberem gays mesmo antes de entenderem o que é sexualidade, o que acontece é mais uma confusão de conceitos.

A sexualidade é um conceito amplo que abrange vários aspectos, como sexo (anatômico), identidade de gênero, papel ou expressão de gênero e orientação afetivo-sexual”, explica a Dra. Ana Carolina.

O designer Mateus Conceição lembra que, por volta dos 10 anos de idade, rezava todas as noites para não gostar mais de meninos. Hoje, ele consegue diferenciar as fases da descoberta: 

“Por volta dos 7 anos, sem saber o que era sexualidade, percebia que os meninos me atraíam mais. Dos 10 aos 16 vivi negando isso para mim mesmo, mesmo sem sentir nenhum preconceito explícito. A partir dos 17, comecei a me aceitar, mas só por volta dos 25 anos que consegui ficar bem dentro de mim”, conta.

Como falar sobre diversidade com as crianças?

Para que as pessoas não precisem levar tanto tempo se escondendo, em sofrimento, é importante que o assunto seja debatido de forma natural desde a infância. Isso independe de achar que seu filho é ou não LGBTQIA+.

Algumas pessoas acham que isso pode despertar nas crianças a vontade de ser gay, lésbica ou trans ou erotizar as crianças. Nada disso!

Lembre-se: a identidade e a sexualidade são características pessoais e não opções (muito menos doenças). Falar sobre o assunto é falar sobre reconhecer e respeitar as diferenças entre as pessoas.

Os únicos riscos de falar sobre diversidade com as crianças são 1) se forem heterossexuais e cisgêneras, serão respeitosas com quem for diferente; e 2) se se descobrirem gays, lésbicas ou transgêneras, não sentirão medo dos seus próprios sentimentos e saberão que podem contar com a família. Ou seja, só há bons motivos!

O ator Leandro Gomez, por exemplo, nesta entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, conta que o apoio dos pais foi fundamental para ele se entender e se aceitar sem nunca precisar ficar “no armário”.

Como fazer isso, então? 

Demonstrar respeito a todas as pessoas, independentemente de gênero ou sexualidade já é o primeiro passo. Assim, a criança e o adolescente já percebem que na sua família não há espaço para preconceito.

Mas também é importante verbalizar e conversar sobre o tema, para saber nomear as coisas. “As crianças trans sempre existiram, mas nunca apareciam. Agora elas aparecem cada vez mais na mídia, e isso dá uma maior chance aos pais das crianças cis de falar sobre esse assunto”, explica a Dra. Ana Carolina.

“O importante é falar sempre de forma tranquila, sem querer explicar tudo, mas respondendo à dúvida da criança e sempre pensando na forma e conteúdo adequado à idade”, complementa.

Vários livros infantis ajudam a trazer o assunto sobre diversidade de gênero para as conversas de pais e filhos. Isso pode acontecer com naturalidade. No canal Fafá conta Histórias no Youtube, tem uma playlist com alguns desses livros.

Crianças e diversidade: como apoiar coleguinhas que se identificam como LGBTQIA+?

Quem já ouviu aquela frase “nenhuma criança nasce preconceituosa”? Isso também se aplica à convivência com pessoas LGBTQIA+. Se a criança cresce em uma família que estimula o respeito a todas as pessoas e suas diferenças, o tratamento com os coleguinhas será o mesmo. 

Contudo, muitas crianças ainda recebem exemplos negativos e de pouca empatia dentro de casa. Por isso, na escola e nos ambientes que frequentam, seus filhos podem ser aliados de quem mais precisa de acolhimento. 

Existem algumas maneiras de apoiar os coleguinhas que se identificam como LGBTQIA+, por exemplo: 

  • Combatendo o bullying: se seu filho perceber que outra criança está sofrendo com comentários e “piadinhas”, ensine a prestar apoio e levar o assunto para os adultos; 
  • Convidando para o grupo: o coleguinha LGBTQIA+ tem poucos amigos ou não é chamado para as atividades? Fale com seu filho sobre dar o primeiro passo e incluir essa criança ao grupo; 
  • Prestando atenção ao posicionamento da escola: em alguns casos, mesmo quando as crianças denunciam o bullying, a escola não toma providências para que pessoas LGBTQIA+ se sintam seguras. Nesse caso, cabe aos pais cobrar mudanças por mais inclusão e respeito. 

Acho que meu filho/minha filha é LGBTQIA+. O que fazer?

Reunimos algumas dicas e informações para pais e mães que estão lidando com a descoberta da sexualidade ou da identidade dos filhos.

  1. Ter o assunto sobre diversidade presente em casa de forma natural ajuda a criança a se entender (e se aceitar)
  2. Falar de forma tranquila, sem querer explicar tudo mas respondendo à dúvida da criança e sempre pensando na forma e no conteúdo adequados à idade.
  3. Ouvir a criança, reconhecer seus gostos e sentimentos, sem julgar as preferências por um tipo de brinquedo ou outro.
  4. Mesmo que procure fazer uma educação neutra em relação a gênero, a família não vive isolada da sociedade, e as crianças podem perceber e se identificar mais com algum estereótipo de gênero.
  5. Repreender, ameaçar etc. só vai incentivar que seu filho ou filha minta e se afaste de você.
  6. Respeitar a privacidade: é normal que adolescentes prefiram não falar sobre detalhes da sexualidade com os pais e prefiram conversar com um profissional ou com amigos. Certifique-se apenas de que ele esteja feliz. 
  7. Lembre-se: criamos os filhos para serem indivíduos independentes de nós, não para atender às nossas necessidades ou expectativas.
  8. Não existe culpa dos pais ou “onde foi que eu errei”. Como já dito, isso é uma característica.
  9. A família pode precisar de apoio também, seja por expectativas frustradas, seja pelo medo de que seus filhos sofram, ou ainda para receber dicas e trocar experiências sobre as melhores formas de lidar.

Como ajudar e apoiar sua criança no processo de descoberta da identidade de gênero ou sexualidade?

Antes de tomar qualquer atitude, ouça. Mesmo quando a família é aliada, muitas vezes não é fácil para as crianças explicarem como estão se sentindo, o que leva os adultos a darem pouca importância. 

Se a criança relata desconforto com imposições de gênero (brinque com boneca ou não brinque com boneca) ou com algumas situações sociais, chegou a hora de prestar atenção.

O primeiro passo é conversar em casa, ouvindo, acolhendo e deixando claro que o amor pela criança nunca vai mudar. 

Fale sobre como as diferenças nos tornam especiais, dê exemplos positivos de pessoas LGBTQIA+ que você admira e respeite o tempo do seu filho. 

Buscar apoio para lidar com a diversidade de gênero e lutar contra o preconceito

Um acompanhamento profissional não deve ser descartado, principalmente no caso das crianças trans. Consulte especialistas como psicólogos, psiquiatras e endocrinologistas, buscando profissionais acolhedores e que respondam suas dúvidas (e as da criança) com paciência. 

No Brasil, existem duas instituições ligadas a universidades dedicadas a oferecer apoio e acompanhamento para as crianças e familiares: o AMTIGOS, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), e o PROTIG (Programa de Identidade de Gênero), ligado ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Há também importantes grupos de apoio: a ONG “Mães pela Diversidade” (que, apesar do nome, também recebe pais) atua no acolhimento e apoio a famílias e na luta política por direitos iguais para pessoas LGBTQIA+.

Fernanda Janeiro, mãe e participante das atividades da ONG, conta: “O medo é o que mais traz pais e mães até a gente. Principalmente o medo da violência, mas também de outras opressões, como a religiosa”.

O coletivo promove ações, eventos e salas de reuniões estaduais. Para fortalecer o cuidado e empoderamento das famílias, ele conta com auxílio profissional de psiquiatras, psicólogos e advogados. 

Pais e mães de crianças trans também podem buscar apoio, dicas e orientações sobre direitos no grupo @minhacriancatrans.

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