Racismo na escola: o que eu sofri e hoje ajudo a combater
Falar sobre racismo na escola é algo bem intenso para mim, pois sou uma sobrevivente do racismo em ambiente escolar. Talvez este seja o texto mais profundo que eu esteja escrevendo aqui, por colocar nele experiências próprias que tanto me machucaram, mas que hoje me permitem ajudar tantas crianças.
O que eu vivi?
Na minha fase escolar, eu era uma das poucas meninas negras na escola (e não me lembro de outra na sala de aula). Uma das memórias mais fortes que tenho é a de chorar a madrugada toda, por saber que no outro dia teria que ir para a escola e passar pelo corredor das carteiras sendo alvo de chacota porque meu cabelo era crespo. Eu me sentava numa das últimas carteiras, e ali permanecia, tentando entender por que eu não tinha nascido com os cabelos lisos, por que eu tinha que passar por todo aquele sofrimento todos os dias. Nem preciso dizer que isso acarretou sequelas gravíssimas, que perduraram até a minha vida adulta, né? Cresci insegura, com a autoestima baixíssima e carregando muitos traumas.
Nós crescemos ouvindo na escola sobre todo o processo de escravidão, mas dificilmente sobre o quanto a população negra é importante, tendo colaborado com tantas genialidades para nossa cultura. A partir do momento em que não enxergamos pontos positivos na história do negro, automaticamente não queremos nos parecer com ele. Assim eu vivi durante muitos anos.
A escola e a família são ambientes extremamente importantes para a formação do intelecto de uma criança, do reconhecimento de quem ela é na sociedade. Por isso é tão importante que nesses espaços haja o debate crítico e consciente e uma educação antirracista.
O racismo vivenciado em ambiente escolar pode causar danos também na aprendizagem de uma criança. Isso porque ele afeta completamente o emocional. Sabemos que precisamos estar emocionalmente bem para aprender: faz parte do conjunto para que tenhamos um desenvolvimento pleno.
E é por isso tudo que o assunto não pode ser ignorado. Pelo contrário: precisamos falar e muito! Apontar o que ainda há de errado nas relações e falar positivamente sobre a negritude para elevar a autoestima das nossas crianças e do nosso povo.
Da lei para a prática da sala de aula
Só vamos superar o racismo dentro da escola quando começarmos a falar mais sobre ele nesse ambiente. Desde o ano de 2003, existe uma lei para que as escolas abordem a história e cultura afro-brasileira. Ainda que seja um avanço, se faz necessária uma conscientização sobre o que isso verdadeiramente significa.
Embora seja essencial reconhecer a importância da resistência do Quilombo dos Palmares, estudar sobre a história e a cultura afro-brasileira não se resume ao dia 20 de novembro
Mas vamos além: é importante desconstruir a imagem negativa que temos sobre o negro, para que haja então uma ressignificação de quem ele é e do quanto é importante para nossa história.
Conhecer pessoas negras em todas as áreas, como autores, políticos, artistas, é importante para que a criança se veja, se reconheça: é a representatividade que tanto importa e da qual tanto falamos.
E isso acontece também no dia a dia, com cada negro e negra que resgata sua identidade. Hoje eu sou representatividade para minhas alunas pretas, pacientes pretas, amigas pretas... e nunca mais vão me parar!
Apresentar tudo isso é parte de uma educação antirracista. E não precisa ser negro, basta ser humano e reconhecer o quanto precisamos reparar os acontecimentos de todo um período em que o negro teve seu espaço negado na sociedade.
Educação antirracista: como promovê-la?
Como promover então uma educação antirracista?
Educação antirracista em casa
Às famílias, oriento que promovam um ambiente familiar em que a criança tenha acesso à representatividade por meio de brinquedos, filmes ou seriados na TV, ou até mesmo com diálogos sobre o tema no café da manhã, aproximando a criança do tópico.
Por exemplo, garanta que seus filhos conheçam sua história, sua ancestralidade. Fale sobre esses assuntos e frequente ambientes que enriqueçam esse diálogo, como o Museu AfroBrasil, em São Paulo. Converse com as crianças sobre a importância do povo negro para o Brasil, exalte as partes positivas, não apenas a parte triste da história.
Educação antirracista na escola
Às escolas, trabalhem o currículo de forma ampla, exaltando as diferenças dos povos a fim de mostrar que são essas diferenças que nos unem, levando às crianças a conscientização e reflexão crítica sobre toda a história do povo negro.
É interessante ir além do “novembro negro”, fazendo com que a criança negra se sinta representada em todas as suas características e sua história. A representatividade se dá quando disponibilizamos a todas as crianças, sejam elas negras ou não, o devido repertório cultural, histórico e social. Isso proporciona uma maior pluralidade de vozes sendo ouvidas dentro do ambiente escolar, impulsionando uma educação antirracista.
Se cada um conseguir reconhecer o racismo de fato, com certeza será possível desconstruí-lo, fazendo com que deixe de ser naturalizado em nossas palavras cotidianas e atitudes, que ainda perduram até hoje, remetendo à época da escravidão.
A educação antirracista vai além de se aplicar uma lei (o que também é importante, claro): ela nos ajuda a compreender, debater e refletir sobre um assunto que passa batido para uma grande parcela da população.
Ao darmos atenção para esse tema, indo além do novembro negro e adotando uma postura mais diversa e empática no dia a dia, caminhamos para que as dores causadas pelo racismo possam ser gradativamente curadas e ressignificadas. Assim, proporcionamos a crianças negras a devida chance para que se identifiquem como parte importante da história e da cultura do país.
O racismo é um problema social que preocupa a todos. Por isso, a busca por uma educação que busque combatê-lo se faz necessária! Quer dicas de como educar crianças antirracistas? Leia aqui: