As amizades das minhas filhas: até onde posso meter a colher?
A cada novo texto, uma nova descoberta e novas reflexões. Desde que me descobri mãe de adolescente não parei de pensar nas jornadas que as amizades dos nossos filhos podem trazer. É um exercício e tanto!
E por que eu pensaria nisso? Não temos que deixá-las livres? Independentes? Autônomas? Será que uma amizade da minha filha pode "desvirtuá-la"? Confio no que criei até agora? Criei uma relação de parceria e confiança? E se ela beber? Usar drogas? A culpa é das amizades? E se ela estiver sofrendo? São tantas questões!
Primeiro quero contar da minha adolescência. É muito importante olharmos para as nossas próprias experiências. Você se lembra de quando tinha a idade dos seus filhos? Tem algum trauma em relação a isso? Lembranças boas e ruins?
Quando criança, eu fui criada numa vila, com muita vivência na rua. Eu tinha melhores amigas e amigos, meu grupinho. E quando fui entrando na adolescência, a sociedade fez questão de ir me controlando, me podando junto. Não falo de ir a festas, namorar etc. Mas de coisas mais profundas, como controlar minhas roupas. Isso vinha muito do meu pai, eu estava saindo e ele me impedia de ir com um shorts, porque o achava curto demais. E lembro que tinha amigas que falavam baixinho no meu ouvido: "Vamos lá para casa, leva o short na bolsa e troca lá”.
Será que se meus pais soubessem aprovariam essa amizade? E se fossem amizades das minhas filhas, eu aprovaria?
Também era uma época em que éramos ensinadas a competirmos umas com as outras em muitas coisas, principalmente no quesito “meninos”. Eu tive amigas inesquecíveis e algumas trago comigo ainda hoje, até nos tornamos mães juntas! Mas também tive amizades que perdi no decorrer da vida adulta. Lembro daquelas amizades que eu venerava! Geralmente, eram as mais descoladas, que já tinham beijado, que eram populares na escola e me falavam coisas que minha mãe em casa não contava. Meus pais não conversavam muito sobre temas “tabus” da época (infelizmente, ainda hoje vários temas seguem tabu). Sexo, por exemplo, eu só associava a dor, gravidez e doença. Foi através das minhas amigas que aprendi que sexo era parte da vida e que comecei a ter informações de como, inclusive, ter uma vida sexual sadia.
Controlar as amizades ou deixar o filho livre para escolhê-las?
Muitos pais criam em suas cabeças um modelo de filho ou filha. Mas essa idealização raramente corresponde à realidade, e pode se tornar um problema.
Acredito em amizades verdadeiras, e é isso que desejo para as minhas filhas. Mas elas também terão que lidar com traições e frustrações. Eu fui traída por uma das minhas amigas, e levo isso comigo até hoje. Não como trauma, mas como referência. Inclusive para poder ensiná-las a identificar e afastar quem não nos faz bem.
E eu também estou sempre em fase de aprendizado. Até onde posso interferir? Posso entrar em seu quarto sem bater? Mexer em sua agenda ou celular? Tem uma regra? Dizer que aquela amiga ou amigo não é “boa influência”, funciona?
Minha mãe nunca tentou controlar as minhas amizades, e hoje acho que isso foi muito importante para nossas personalidades. Ela sempre confiou que eu afastaria quem me fizesse mal — e eu sigo fazendo isso até hoje.
Quando somos crianças, os pais conseguem meio que controlar o jogo de amizades. São eles que definem as visitas, convites para festas e afins. Os adultos moderam com quem os filhos se divertem, ainda que todos tenham suas demandas, suas brigas, suas questões.
Hoje, os adultos somos nós.
Muitas vezes, os filhos dos nossos amigos são amigos dos nossos filhos, e tudo vai fluindo. Até que uma hora, muda. Muitos filhos de amigos que antes eu via a Alicia brincar junto, hoje, apesar da mesma idade, já não se relacionam mais — e eu preciso respeitar isso.
Diálogo entre pais e filhos gera confiança
No mesmo período que escrevia este texto, eu e minha filha de treze anos tivemos um papo que abriu um portal entre nós. Contei um segredo meu pra ela, pedi muito para que ficasse entre nós e disse que confiava nela. Na mesma conversa, ela começou a falar sobre amizades e seus olhos se encheram de lágrimas. Ela disse que só tem um amigo e que ele saiu da escola. Veja na minha filha uma necessidade enorme de ser aceita e se encaixar, como muitos de nós temos. O medo da solidão, o desejo de estar sempre num grupo ou com um parceiro que supra esse buraco. Meu medo é que minha filha se sujeite a qualquer coisa para isso.
Saiba como agir caso seu filho (a) não tenha amigos:
E também já conversei com amigas da minha filha pelo WhatsApp, uma vez em que ela estava aos prantos, porque foi acusada de roubo na escola. Liguei pros pais na hora e mandei mensagens diretamente para as meninas, sendo muito franca com elas. A conversa foi mais ou menos assim:
Eu: “Que bom que conseguimos falar com você. Minha filha sofre muitas vezes calada, porque adora você. Mas tem coisas que são inadmissíveis, entende? Eu, como mãe dela, a conheço e conversamos muito sempre que sinto que algo está errado. Nesse caso, a situação é realmente grave e vocês, como meninas em pleno desenvolvimento, precisam estar atentas. Espero que vocês conversem e que tudo seja esclarecido”.
Amiga: “Sim, desculpa novamente, eu errei feio. Acha bom eu falar com ela amanhã ou melhor deixar quieto?”
Eu: “Jamais deixar quieto! Ela precisa te ouvir e entender o que está sentindo. E você também. Conversar e ser sincera nessas horas é a melhor forma de se entender com alguém... ou não. Mas a conversa é a melhor forma de resolver qualquer situação, ou ficamos guardando mágoa, tristezas, arrependimentos. E isso faz mal. Disse a ela que se quiser chorar conversando, que chore, faz bem colocar para fora um choro preso. Mas que, se quiserem ser amigas, precisam ser parceiras acima de tudo, não dá pra excluir, acusar, expor, soltar a mão de uma amiga. E acho que ainda é isso que ela te considera.”
No final, elas não se acertaram. E isso acontece também, a vida é assim. É até bom que isso tenha acontecido. Essa era uma amizade que fazia minha filha se sentir mal, excluída, culpada. E eu via, mas jamais falei mal dela ou impus um afastamento. Dava dicas? Dava. Mas ela sozinha foi chegando a essa conclusão.
Nossos filhos são capazes de perceber o que faz mal. E nós devemos estar atentos e dar esse voto de autonomia pra vida deles. É claro que já me peguei xingando internamente pessoas que a fizeram chorar, dói demais ver um filho sofrer.
Outro caso aconteceu recentemente. Nesse limite tênue entre ser controladora e dar limites seguros com respeito à individualidade deles, olhei o celular da minha mais velha e dentro de uma situação que encontrei tivemos um longo papo. Acredito que isso irá fortalecer nossa parceria e confiança. Expus minha visão sobre o caso, conversamos sobre as amizades envolvidas e colocamos as cartas sobre a mesa. Óbvio que eu sei que muita coisa ela não me contará, mas desde que ela saiba que quando qualquer bomba estourar eu estarei aqui, já está tudo mais tranquilo pra mim.
Intervir sem controlar é a melhor forma de orientar os filhos
Na adolescência, eles tendem a dar muita importância à companhia dos amigos. O pertencimento a grupos permite aos adolescentes encontrarem sua própria identidade e se diferenciarem da identidade familiar. É uma fase cheia de altos e baixos, bom humor e mau humor, amor e ódio.
Quando alguma amizade não me “desce” muito, procuro ficar mais atenta a como elas vem interagindo e lidando, pergunto como está indo a relação, se elas estão felizes. Aliás, estou sempre perguntando se elas querem conversar, se estão bem e enfatizando que sempre que precisarem de mim, estarei ali para ouvi-las. Lembrando a elas que não precisam agradar ninguém pra serem aceitas.
Sempre tento tirar a culpa delas e tentar trazer uma reflexão do porquê aquelas ou aquela amiga não está mais trazendo conforto e afeto para suas vidas, e lembrar que a própria vida trata de fazer essa “seleção natural”, que às vezes dói, mas que é preciso aceitar esse afastamento.
Nós, muitas vezes, julgamos sim as amizades dos nossos filhos para tentar justificar determinadas atitudes deles. Às vezes, até nos pegamos “avaliando” demais essas amizades em função de suas famílias, posições políticas e nível cultural. Isso é quase inconsciente.
Mas e quando essa amizade nos desagrada, será que proibir é uma solução? Quando os pais suspeitam que um determinado amigo do filho é uma “má companhia”, por qualquer motivo, o primeiro instinto pode ser de tentar proibir a amizade. Mas existem outros meios — e estou sempre tentando encontrá-los.
Como estreitar os laços: controlar não, confiar sim.
A relação com a escola e professores, com todas as pessoas em quem elas confiam, pode ser um norte nessa relação e conduta. É na escola que as crianças passam a maior parte do tempo, mais até do que com a própria família. Na busca achei estas dicas que inclusive procuro levar pra dentro da minha relação com elas, sempre:
- Acompanhe a vida escolar deles.
- Leve-os e busque-os nas festas.
- Receba os amigos deles em casa.
- Mantenha um diálogo franco, no qual eles se sintam ouvidos, mesmo que vocês não concordem.
- Mostre mais atitudes e menos sermão.
- Proponha atividades conjuntas.
- Lembre-se: o poder dos pais sobre os filhos não está na autoridade nem na amizade. Está em uma postura amiga, na qual a firmeza não exclui a delicadeza.
Os pais devem sim estar sempre atentos à novos amigos dos filhos, conhecer os amigos e torná-los próximos da família. Sendo responsáveis pela guia dessas relações e não manipuladores dos seus atos. E, caso haja necessidade de interferir nas amizades escolhidas, caso percebam que alguma ou algumas dessas amizades são prejudiciais aos seus filhos, interfiram, mas sempre através de um diálogo franco, acolhedor e saudável.
Mesmo contando com o acolhimento da família, lidar com o fim de uma amizade ou com as primeiras decepções é uma lição de inteligência emocional.
Entenda como estimular o desenvolvimento dessa capacidade desde a infância clicando aqui: