O excesso de tempo de tela faz mal para o cérebro da criança?
A parentalidade é considerada uma das tarefas mais difíceis do mundo, cheia de dúvidas e incertezas sobre o que fazer e o que não fazer na hora de educar. Parcelas de culpa são adicionadas e a adoção generalizada de smartphones e a popularização das mídias sociais trazem novas preocupações para os desafios de mães e pais.
O mundo dos pais mudou. Décadas atrás existiam telefones fixos em casa, daqueles de colocar o dedo para discar, as televisões não tinham controles remotos, poucas casas tinham um computador e os filhos mais velhos pediam um videogame de presente no Natal.
Hoje é tudo tão diferente... As telas estão por toda a parte, nos bancos dos carros, tablets, televisores em vários cômodos da casa e telefones celulares. O desejo de muitas crianças não é mais ganhar aquela boneca “da moda”, elas querem de presente um celular novo para tirar fotos, fazer vídeos e falar com os amigos.
As crianças do século XXI dizem aos pais para pesquisar na internet quando não conseguem responder a uma de suas milhões de perguntas, na TV temos canais 24 horas criados apenas para bebês e crianças pequenas, sistemas de videogame que leem os movimentos do corpo, realidade virtual e muito mais.
A onda tecnológica afetou a todos nós, mas como isso influenciou a criação de filhos e a rotina familiar?
No mundo atual da tecnologia e da mídia, muitos pais usam telas para manter os filhos pequenos entretidos ou distraídos enquanto fazem malabarismos com outras necessidades. Chamamos isso de distração passiva, que tem como objetivo fazer a criança ficar quietinha. Não dá para mentir. Funciona. Telas cativam a atenção das crianças mais rapidamente do que qualquer outra coisa, permitindo aos pais um pouco de fôlego, especialmente nesse período tão peculiar de isolamento social que estamos vivendo.
É como mágica: a criança não quer comer, você liga a televisão ou coloca um celular nas mãos dela e ela fica quietinha, come tudo e nem ao menos percebe o que tem no prato. Se ela está chorando muito, liga naquele desenho que ela gosta e rapidamente ela fica entretida. Bagunça no carro? É só entregar o tablet que tudo passa.
As telas ativam o centro de recompensa do cérebro da criança, porque oferecem um grande estímulo auditivo e visual. A criança liga o piloto automático e faz as ações sem perceber. Uma mãe já me relatou que sua filha comia enquanto ela assistia a um desenho com o celular na outra mão. Comeu tudo e nem percebeu. Depois, perguntou para a mãe se já tinha almoçado, ou seja, seu próprio corpo ignorou os sinais de saciedade, característica extremamente importante para evitar, entre outras coisas, a obesidade no futuro.
Cientistas do cérebro que estudam o impacto das telas no cérebro dos bebês não têm todas as respostas, mas, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), artigos e pesquisas científicas, além de sociedades de pediatria, não pode haver nenhum contato com as telas até os 2 anos de idade.
O problema é diferente de acordo com a faixa etária e de acordo com a sensibilidade individual de cada criança. Um problema particular é o das crianças muito pequenas, com menos de 3 anos, cujo desenvolvimento do cérebro pode ser afetado em caso de exposição excessiva a ruídos e luzes fortes, que atraem a atenção a ponto de torná-las passivas.
Os primeiros 1.000 dias de vida da criança são extremamente importantes para o seu desenvolvimento cerebral, há várias regiões cerebrais que estão amadurecendo e o olhar e a presença da mãe, do pai e da família não podem ser substituídos por telas. O bebê precisa do contato físico para se sentir acolhido, amado e protegido. O calor do colo acalma, tranquiliza e regula o bebê.
Não é recomendado também que o adulto fique com o celular na mão enquanto a criança estiver no colo. Na prática, é bem difícil, porque enquanto você amamenta na madrugada vai querer ficar ali olhando o Instagram ou, durante o dia, vai sentar no sofá, ligar a televisão e assistir a sua série enquanto embala a criança. Nas salas de consultórios médicos você encontra a tela ligada e seu filho mais velho vai ter o tempo de tela dele e o seu bebê também estará ali, com os olhos fascinados.
Difícil, muitas vezes é inevitável. As telas estão por todos os lados. Mas não é impossível. Tudo é uma questão de equilíbrio e escolhas.
A partir dos 3 anos de idade, o tempo de televisão pode ser incluído na rotina, mas com moderação e apenas por poucos minutos no dia. Em particular, não deve ser colocada no quarto da criança. Os programas devem ser escolhidos com as crianças (respeitando as idades recomendadas) e a duração da exposição deve ser combinada com a criança com antecedência. Quanto menos, melhor.
Para se desenvolver bem, uma criança precisa ter contato com outras pessoas. Além disso, as interações que uma criança tem com seu ambiente e com as pessoas ao seu redor são a melhor fonte de estímulo para ela.
O uso intenso de telas geralmente reduz o tempo gasto em atividades físicas e brincadeiras. Vários estudos estabeleceram uma ligação entre o estilo de vida sedentário causado pelo uso abusivo de telas e o excesso de peso em crianças.
Acredite, tudo tem seu lado bom!
Claro, as telas não têm apenas o lado negativo. Elas proporcionam prazer e podem ajudar seu filho a reforçar certos aprendizados. Alguns aplicativos podem ser uma ferramenta de aprendizado melhor do que programas de TV devido à sua interatividade. Na verdade, a criança treina mais habilidades, pois pode realizar determinadas ações, como escolher, apontar, clicar, desenhar e tirar fotos.
Uma programação infantil de qualidade promove o desenvolvimento de atitudes positivas, como o respeito às diferenças. É uma boa ideia estar presente quando a criança estiver brincando com a tela ou assistindo a programas de TV. Comentar sobre seus esforços para passar de nível ou discutir com ela o que está acontecendo na tela enriquece a experiência.
Para aproveitar o lado bom das telas e, ao mesmo tempo, proteger as crianças dos efeitos negativos, as famílias precisam estabelecer limites e regras para o seu uso.
Mantenha-se alerta e proteja seus filhos de conteúdo impróprio. Como dito antes, é importante definir regras sobre como as crianças vão usar as telas e que tipo de programação estará disponível. Para fazer isso, é claro que será necessário supervisionar as atividades nas telas. Se puder, faça uso de aplicativos com sistemas de segurança parental.
Agora, vou fazer alguns alertas e, depois, vou dar algumas dicas empáticas para o uso de telas.
O grande alerta: tela não acalma
Para os pais, pode ser atraente oferecer uma tela aos filhos para acalmá-los, quando estão chorando muito e você já não sabe o que fazer. O perigo dessa estratégia é que a criança vai ficar muito estimulada pelo conteúdo e seus efeitos especiais, som muito alto, edição rápida, e isso tudo não acalma a criança. Em um primeiro momento, você tem uma falsa sensação de que sim, ela fica mais calma, mas você só está adiando o problema.
As telas restringem a capacidade de controlar os impulsos
As crianças precisam de sua dose de tédio, aquelas horinhas sem fazer nada, deixando a imaginação livre, leve e solta para usar à vontade. Se as crianças são constantemente estimuladas pelas telas, elas podem se esquecer de como se divertir sozinhas ou com outras pessoas. Isso leva à frustração e atrapalha a imaginação e a motivação.
Telas roubam períodos de atenção
As habilidades de concentração e foco começam a se desenvolver durante os primeiros anos, quando o cérebro é mais sensível ao ambiente. Para um cérebro se desenvolver e crescer, ele precisa de estímulos essenciais do mundo exterior. Mais importante, o cérebro precisa de tempo e treino para processar esses estímulos, então a constante absorção de imagens e mensagens na tela afeta a atenção e o foco.
As telas reduzem a empatia
Alguns estudos sugerem que o tempo de tela inibe a capacidade de crianças pequenas identificarem emoções e expressões em outras pessoas e reduz o aprendizado de habilidades sociais, dois fatores-chave necessários para desenvolver empatia.
A tela deve ser evitada antes de dormir
A luz azul emitida por esses dispositivos bloqueia a melatonina, o hormônio responsável pelos ritmos biológicos e essa redução faz com que o cérebro acredite que ainda é dia, dificultando a criança a pegar no sono. Essa privação de sono sobrecarrega o cérebro, deixa a criança cansada e mal-humorada no dia seguinte, diminui a capacidade de concentração, memorização e pode ter efeitos na aprendizagem escolar.
É muito importante deixar claro que o conteúdo precisa estar alinhado com os seus valores, avalie se os programas estão ensinando coisas positivas e sempre reflita e observe o comportamento da criança depois de assistir algo.
Agora, você vai me perguntar: o que posso fazer para reduzir o tempo de telas? Aqui estão algumas estratégias:
Sugira outras atividades
Para que essa limitação do tempo de tela não seja considerada uma punição, a criança deve ser estimulada a realizar outras atividades. Dependendo de seus gostos, sugiro fazer atividades criativas manuais, jogar jogos de tabuleiro, atividades ao ar livre, pintar, fazer colagem, brincar com massinha, quebra-cabeças, colorir e brincar com materiais alternativos que podem ser até os seus potes da cozinha.
No momento das refeições
Em casa, a criança pode ficar brincando com alguma coisa que goste e até convidar uma “boneca para comer junto” enquanto você supervisiona a alimentação. No restaurante, leve sempre gibis, livros, algo para a criança colorir, álbum de adesivos ou outras coisas que ela gosta.
Na estrada ou no trânsito
Tenha livros, faça brincadeiras com a criança – por exemplo, contar a quantidade de carros amarelos que passam, bater uma palma quando passar um carro branco –, crie brincadeiras com as placas na estrada, cante e converse com a criança. Seja criativo e tenha paciência.
Faça combinações
Você pode criar uma rotina com imagens, com a palavra e o desenho para ela identificar. Determine os momentos ou os dias em que ela pode assistir algo. Quando a criança pedir a tela antes do tempo combinado, você pede que ela dê uma olhadinha na rotina e veja se realmente está na hora.
Combinados prévios quanto ao tempo de uso são muito importantes. Se a criança é muito pequena e não entende o conceito de tempo, use um cronômetro, ou diga "só mais um episódio”. Avise quando o tempo estiver acabando. Siga firme porque ela vai reclamar. Quando acabar o prazo, desligue a televisão conforme combinado, mas sem ameaça ou qualquer provocação.
Lidere pelo exemplo
Mostre para a criança que é possível se divertir com outra atividade que não seja a tela, logo a criança vai esquecer a tela e vai participar com você. Como você deseja que seu filho não fique com vontade de brincar no smartphone se você fica preso nele por horas? Quando você estiver em casa, se puder, limite o seu próprio tempo de tela.
Da mesma forma, assistir à televisão durante as refeições não é recomendado. Em vez disso, aproveite a oportunidade para conversar com sua família e contar o que aconteceu no seu dia. Se você trabalha na frente de alguma tela, converse e explique para a criança que esse é o seu trabalho.
Gerenciar o tempo de tela é um desafio constante. Estabeleça limites e, quando o problema surgir, não deixe de conversar com seu filho com calma, seja firme nos combinados e conduza com gentileza.