Mamãe e papai estão se separando: como contar aos filhos?
Os namorados casaram, tiveram filhos, fizeram planos – não necessariamente nessa ordem – mas às vezes chega o momento em que não dá mais para seguir juntos.
O amor acabou, as discordâncias estão cada vez mais fortes, as brigas mais frequentes ou agressivas, apareceu outra pessoa… enfim, são vários os motivos que podem levar o casal a decidir pela separação.
Hoje já é difícil encontrar alguém que não conheça (ou tenha vivido) algum relacionamento que chegou ao fim, já que são mais de 380 mil divórcios por ano no Brasil, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de ser comum, sabemos que o processo de separação dos pais é uma decisão dolorosa para todos os envolvidos. Não é nada fácil lidar com as mudanças na rotina, no convívio e com as questões dos pequenos sobre o que aconteceu.
Afinal, trata-se de uma desconstrução da identidade de casal, para uma identidade nova, agora na condição de separados. “Também implica numa condição de luto, uma constatação de que aquela relação não foi como se esperava, não correspondeu à expectativa de uma relação conjugal”, explica Júlia Durand, psicanalista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Também pode envolver sentimentos primitivos como ódio, raiva, abandono, culpa, muita coisa. E, no meio desse turbilhão de sentimentos para gerenciar, tem uma criança (ou mais), também sentindo. Como lidar? Vamos conversar sobre isso?
Uma história feliz
“Quando vimos que começamos a brigar demais e que o relacionamento estava ruim, achamos melhor separar para dar um ambiente mais saudável para elas”, conta a revisora Fabíola Cristófoli.
Ela e o ex-marido cuidaram para deixar claro que a família e o amor de mãe e pai pelos filhos seguiria o mesmo. “Continuamos muito amigos e fazendo as programações de família juntos, mas sei que é uma história muito fora da curva”, diz.
Fabi acredita que a pouca idade das crianças pode ter ajudado no processo – a menor tinha 11 meses e o maior, 2 anos. Apesar de também sentirem, as crianças mais novinhas parecem assimilar mais facilmente a separação dos pais. “Não foi fácil, mas agradeço até hoje [10 anos depois] por termos tido essa lucidez na época”, conclui.
A perspectiva das crianças pode ser diferente das dos adultos
A gerente de projetos Luana Carvalho também acha que a idade influencia. Ela conta que, na primeira vez que se separou do marido, a filha Karolina tinha 1 ano e meio, e o processo foi muito tranquilo. O casal reatou, mas acabou se separando definitivamente quando a menina tinha 6 anos. “Aí foi mais difícil”, admite Luana.
“Embora haja no senso comum a ideia de que a separação produzirá um alívio para todos, porque estarão mais felizes, e que isso será vivido pelos filhos como uma experiência boa, de alívio também, isso não acontece necessariamente assim”, alerta a psicóloga Júlia Durand. Ou, pelo menos, não de imediato.
Como foi o caso da separação de Gislene Freitas, cobradora de transporte coletivo. Ela conta que os filhos, Maria Letícia (8 anos) e João Otávio (7 anos), sentiram muito a falta do pai logo quando aconteceu o divórcio. Principalmente a menina. "Para a Maria Letícia foi muito difícil, porque ela era muito apegada ao pai. Com o passar do tempo, ele ficou mais ausente, visitando a cada 15 dias, e eu sei que isso pode marcar as crianças ao longo da vida", comenta a mãe.
“Para as crianças, a perspectiva sobre a separação pode ser muito diferente da perspectiva dos pais”, explica. Isso não significa que o casal precisa continuar junto. Mas, sim, que é importante pensar em formas respeitosas de conduzir e comunicar a separação – e dar espaço para a criança ser ouvida também.
“A Karol tinha muito forte a imagem de pai, mãe e filha, que a gente vê em filmes e novelas. Para desvincular essa visão da nossa história, demorou muito. Ela só começou a aceitar mesmo 2-3 anos depois”, conta Luana.
O ex-casal contou com o apoio de uma psicóloga, que, além de orientá-los, foi importante para ouvir as angústias da pequena Karol e ajudá-la a ver que, mesmo separados e em cidades diferentes, eles seguiriam sendo pai e mãe dela. “Tem coisas que a nossa criança não conta pra gente, por medo de nos deixar chateados”, explica a mãe.
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Divórcio com filhos: como contar para as crianças sobre a separação?
Não existe uma receita simples ou única, antecipa a Dra. Durand. Afinal, o divórcio não acontece de um dia para o outro: é um processo que os pais estão atravessando.
“É importante que os pais encontrem uma linguagem verdadeira e adequada à idade da criança, para comunicar sobre o que está acontecendo, e sobre o estado emocional em que eles, pais, estão. E, de alguma forma, deixar espaço para ouvir também as crianças, o que elas estão sentindo”, afirma.
Listamos aqui algumas considerações importantes para quem está passando por isso:
- Para crianças de até dois anos, o ideal é que a comunicação seja feita de forma simples e honesta: “a mamãe e o papai vão morar em casas diferentes”, “você vai ter duas casas”, sem detalhes que elas ainda não tenham capacidade para entender.
- Para todas as idades, vale esperar um momento mais calmo, quando os dois já tiverem processado melhor a ideia da separação, e não estejam tomados por ódio, raiva ou tristeza excessiva, para comunicar a decisão. Assim, os pais terão melhores condições de conversar e ajudar a criança a entender a situação e os sentimentos.
- Entender e acolher os sentimentos da criança. Se elas quiserem desenhar, falar, fazer perguntas, ouça, responda. Uma forma de ajudar as crianças que não verbalizam a elaborarem seus sentimentos diante da situação pode ser por via de jogos, desenhos, brincadeiras de boneca ou de faz de conta. Essa separação será ressignificada pela criança várias vezes durante a vida.
- Ser honesto sempre. Não adianta fingir sentimentos. Os filhos percebem que algo está acontecendo. Desde muito pequenos, são capazes de sentir o estado emocional dos pais, mesmo que não consigam falar sobre isso.
- Evitar detalhes, brigas ou acusações diante das crianças. Apesar de sentirem “o clima”, elas ainda não têm maturidade psíquica para entender tamanha complexidade das relações humanas.
As brigas podem causar sofrimento intenso nas crianças. Além disso, é importante lembrar que acusações insistentes que possam jogar os filhos contra um dos genitores pode configurar alienação parental, que é crime. - Mas, se a briga acontecer na frente delas, é fundamental abrir espaço para conversar depois, se desculpar e tentar recuperar a capacidade de reflexão e diálogo da família perdida na hora da briga. Se isso for impossível, pode ser o caso de buscar ajuda profissional de um psicólogo da família.
Elas vão perceber que os adultos também falham, também sofrem, mas que estão tentando acertar. Afinal, estamos também em fase de crescimento e (re)descoberta.
Confie na nova configuração de família que vocês vão formar!
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