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Para mães e pais 
em fase de crescimento.

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Ninhos do Brasil + Carochinha Editora: Ninhos do Brasil se uniu à Carochinha Editora, selecionando histórias que auxiliam nas questões enfrentadas em diferentes fases. Confira!

A descoberta da sexualidade: como lido com o que não aprendi

Samara Felippo SF
Samara Felippo e suas duas filhas em ambiente de festa de aniversário, segurando docinhos nas mãos e sorrindo para a fotografia.

Quero começar este texto abrindo um pouco do meu baú secreto da descoberta da sexualidade. E quando digo secreto, é secreto mesmo! Não nos era permitido, muito menos incentivado, falar sobre nossas sensações, prazeres e descobertas.

Quando penso nisso, a lembrança que vem à minha cabeça é a primeira e única surra que tomei do meu falecido pai. Meus pais não eram de bater. Meu pai gritava, sim, mas a única vez que partiu pra cima de mim foi quando eu tinha por volta dos 7 ou 8 anos. O motivo: eu, a Carla e o João (nomes fictícios), amiguinhos da mesma idade que eu na época, ficamos curiosos sobre nossos corpos.

O que tinha ali debaixo da cueca do João? Por que ele queria ver nossa calcinha? E assim, sozinhos, curiosos e inocentes, fomos tentando nos desbravar. Mas não contávamos com a mãe da minha amiga que chegou, nos viu e sinalizou os pais. E, numa época mais conservadora, eles reproduziam toda a castração e falta de informação sobre sexualidade.

Nesse dia, lembro do meu pai me carregar pelo braço pra dentro de casa, trancar o quarto e descer a palmada em mim. Apanhei bastante. 

O que mais me motiva hoje a me desconstruir e me informar é me perguntar: “por que eu estava apanhando? O que era ‘errado’?” Perguntas que aquela menina de 7, 8 anos, óbvio, não entendia. Mas que, já adulta, passei a me fazer.

Crias de uma sexualidade nociva e machista

Na minha infância, época em que a hipocrisia da sociedade cheia de tabus reinava muito mais que hoje, a minha descoberta da sexualidade ia se formando através da TV e de ilustrações de revistas para adultos escondidas nos armários. Eu reproduzia essas cenas nos meus bonecos e seguia para minha adolescência, num momento ainda longe da internet, achando fitas de filmes pornôs e pornochanchadas da época. 

Com a chegada da internet, ninguém precisa mais achar uma revista ou uma fita VHS escondida do seu tio, pai, padrasto – até porque isso é uma cultura totalmente masculina. Hoje em dia toda a pornografia é digital e está na palma da mão de crianças e adolescentes.

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Derrubando tabus

E é neste cenário que me encontro como mãe. Nesse oceano, remando contra todas as marés e lutando contra todos os tabus que me foram incutidos e que vou tentando quebrar. 

Quando adolescente, cresci achando que sexo era dor, gravidez e doença. 

Como vou ensinar a minha filha algo que eu não aprendi? Que não me ensinaram? E juro que não foi minha mãe que me ditou isso! Aprendi sozinha, pela mídia. Eu não queria engravidar, pelo menos não com 16 anos.

Eu tinha medo de sentir dor, tinha pânico de pegar uma doença. Preservativo não era um assunto em pauta.

Tanto que fui perder minha virgindade aos 20 anos – porque quis. 

A questão da virgindade

Pensando pelo lado positivo dessa história, foi com quem eu quis, na hora que eu quis, sem grandes traumas.

Decidi e pronto. Todas as minhas amigas já tinham transado, por que eu continuava virgem?

E esse é mais um tema superestimado e polêmico, o fardo de carregar um hímen – às vezes um hímen que nem existe, porque nem todas as mulheres nascem com um!

A idealização e romantização desse momento – a primeira vez das meninas – causa muito trauma e frustração. Isso quando não traz uma gravidez indesejada. 

Porque os meninos são ensinados desde sempre a se tocarem, terem experiências. Eles não são levados ao médico especialista para conversarem sobre a descoberta da sexualidade, mudanças corporais e suas responsabilidades. Mas meninas precisam, desde cedo, aprender a fechar as pernas, a não tocar as partes íntimas, a esperar pelo casamento para “se entregarem ao amor verdadeiro”. 

Ah, mas por que essa revolta toda, Samara? Porque eu crio duas meninas e lidar com o que não aprendi, com o que não me foi ensinado, é muito difícil – ainda mais sendo mãe solo. E tenho certeza que não é difícil só pra mim, mas também para você que me lê. 

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E então, chegou a minha vez de responder…

A primeira vez que tive que falar do assunto, lembro que fiquei paralisada. Foi Alicia, então com uns 7 anos, que perguntou: "Mamãe, o que é transar?”

Respirei fundo, pensando “Não seja mãe careta! Fala a verdade com limite da idade, vai!" 

E saiu primeiro, pra ganhar tempo: “Por que você quer saber?”

Ela respondeu: “Porque um menino falou alto na escola e a professora disse que era uma palavra inapropriada”. 

Eu surtei! Pensei: “O que é isso? Voltamos a 1985?” 

Eu respondi pra ela: “Filha, não é uma palavra inapropriada, só não é pra sua idade ainda.”

Ela insistiu: “Tá, mas o que é?”

Eu, quase tendo um AVC, disse: “É quando duas pessoas se sentem atraídas uma pela outra e namoram sem roupa.” Tentei não especificar gênero, porque quero que elas se sintam livres para amarem e se relacionarem com quem quiserem. 

Ela me olhou, fez uma cara de como a resposta tivesse a satisfeito, virou e foi embora. Eu não morri. E acho que aprendi muito ali.

Mas, mesmo pra mim, que já vinha tentando me conscientizar, trazer assuntos mais tabus de forma natural, foi assustador.

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Depois, com o tempo, vieram algumas outras perguntas, claro. E venho me saído bem. Até que minha filha teve contato com algo mais adulto aos 12 anos e eu descobri. Ali eu entendi ainda mais a importância do diálogo e da verdade. 

Disse que sexo é bom, sexo é natural, todos em sua fase adulta fazem sexo, que a mamãe faz sexo e que aquele conteúdo ao qual ela estava sendo exposta era algo que passava sexo de uma forma machista e violenta. Foi uma conversa honesta, e ali ela se sentiu à vontade para me perguntar sobre camisinha, DIU, entre outras curiosidades. 

Também achei importante me abrir pra ela, contar um segredo meu, falar da minha primeira vez, da não romantização. 

Esse foi o caminho que eu escolhi, que me faz bem e me fez mais parceira das minhas filhas. Mas acredito que cada pessoa tenha o seu caminho.

Claro que eu sei que elas conversam outras coisas com as amigas, coisas que não irão me contar. Isso é normal, a mamãe não precisa saber de tudo. Mas precisa saber do que realmente importa. Que ela tire as dúvidas e curiosidades comigo, sem vergonhas, sem os tabus que me foram impostos. 

Que a descoberta da sexualidade delas seja leve e livre, cheia de decisões delas, sabendo negar, acolher, conversar e escolher.

Outras embaixadoras de Ninhos do Brasil também já falaram sobre o tema por aqui. Vale a leitura!

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